As eleições municipais de Goiânia, este ano, serão disputadas em um clima de absoluto desinteresse. Não é apenas por falta de propaganda, já que uma lei imbecil proíbe os candidatos e se apresentarem publicamente como tais antes das convenções partidárias que se realizam há poucas semanas do pleito. A indiferença tem mais a ver com certo cansaço da política. Depois que a ditadura acabou, fazer política perdeu o élan heróico de outros tempos. Banalizou-se.
Pior não foi ter perdido o caráter heróico. Disputar um cargo eleitoral virou, na percepção popular, uma refinada picaretagem. Para a grande maioria das pessoas, quem se candidata a qualquer coisa quer apenas um bom emprego, subir na vida. Para muitos, o que se quer mesmo é “roubar”. A cada ano cresce mais o preconceito contra os políticos. Eles são malfeitores, vilões e aproveitadores, arrivistas sem caráter, aproveitadores cínicos. Se o voto não fosse obrigatório, é certo que grande parte do eleitorado iria se abster. Aproveitaria do dia da eleição como um feriado qualquer. Iria para Aruanã ou para Três Ranchos assar uma carninha à beira d’água.
A grande maioria dos políticos tem culpa disso. São discriminados porque perderam o chamado “espírito público”. Grande parte se mete em ações anti-patrióticas, praticam crimes de lesa pátria, e ainda zombam do eleitorado. Assim, nesta noite de obscurantismo em que mergulhou o país, com a liberdade batendo em retirada, todos os gatos ficaram, de repente, positivamente pardos.
Assim, queixamo-nos da democracia, achando que o sistema de liberdades individuais dificulta o desenvolvimento do país, sem nos darmos conta de que é, a democracia, justamente a condição de possibilidade da experiência desenvolvimentista. Queixamo-nos da existência desta coisa chata, aborrecida, que são as eleições, sem nos darmos contas que é a vontade do cidadão eleitor que cria as condições de possibilidade do sistema de liberdades, da democracia, do desenvolvimento, do progresso e do bem estar.
O fato de tudo parecer que vai de mal a pior é que as promessas democráticas não se cumprem. Democracia é bom, mas com esses políticos que temos, talvez fosse melhor não termos democracia nenhuma. O sistema eleitoral brasileiro é causa eficiente deste estado de coisas. Uma causa ainda não percebida pela população em geral. O populacho tende a tomar o efeito pela causa. É como a pomba, de que falava Kant, que, em vôo, se queixa do ar, que opõe resistência ao seu avanço. Nuca percebe que é o ar que estabelece e as condições de possibilidade da experiência de voar.
Nosso sistema eleitoral é absurdo. Estamos tão acostumados ao absurdo que o vemos como algo dado pelo senso comum. Mas se nos distanciarmos um pouquinho, veremos que o diabo, visto de longe, de fato é diabólico.
Fiquemos num pequeno exemplo: tempos atrás, li nos jornais uma entrevista de um juiz eleitoral de Goiânia recomendando aos eleitores conhecer bem os candidatos antes de fazer sua escolha. Parece sensato. Mas é uma parvoíce. Como o eleitor comum pode conhecer bem seu candidato a vereador se, a cada eleição, mais de 700 se candidatam a uma vaga à Câmara Municipal? Eu que sou repórter política e tenho a obrigação profissional de conhecer os políticos, confesso que não consigo ficar sabendo de todos eles. É impossível ao eleitor, ainda que tirasse uns dias de folga para se dedicar apenas a isso, conhecer todos os candidatos.
A dificuldade em obter conhecimento é ampliada pelas restrições à propaganda eleitoral. Não pode isso, não pode aquilo, não pode artista em comício, não pode boca de urna, não pode pregar cartaz… A propaganda comercial, que é, por definição, enganosa e enganadora, não tem qualquer restrição. A propaganda eleitoral, que tem a ver com o exercício da cidadania, é cerceada por todos os lados. Daí a propaganda ficar sempre mais cara. Daí as campanhas exigirem sempre mais e mais dinheiro. Daí a corrupção para bancar as lutas pelo poder. E não adianta nenhum Sérgio Moro botar na cadeia os corruptos notáveis. Sem uma legislação mais permissiva da propaganda eleitoral, para cada corrupto que for, mais um outro virá.
Excesso de candidatos. Excesso de partido. Há quem proponha uma legislação restritiva. Proibir a proliferação de partidos. Sabemos que a maioria dos partidos é de mentirinha, siglas de aluguel. Mas fechá-las implica o exercício de um julgamento arbitrário que golpeia o princípio da liberdade partidária, essencial à democracia. Solução? Tem uma.
Instituamos o parlamentarismo e o voto distrital, e levantamentos todos os óbices à propaganda eleitoral. Façamos como é feito em todo o mundo civilizado. As siglas de aluguel serão extintas, como os dinossauros, por incapacidade de se adaptar ao novo ambiente político. Menos partidos, menos candidatos, o que implica aumento da possibilidade de se conhecê-los melhor e, por consequência, exercer uma escolha consciente. Liberdade de propaganda: as condições de competitividade ficarão menos desiguais, o que implica candidatos melhor qualificados.
Enquanto as eleições no Brasil for um jogo de cartas marcadas, uma disputa com dados viciados, teremos os mensalões, os petrolões e outras mazelas. Teremos milhares de partidos que são anti-partidos e que conspurcam a vida democrática. A solução é mais liberdade, com mais racionalidade, porém. É preciso aprofundar, radicalizar o jogo democrático. Se a pomba se queixa de que o ar opõe resistência ao avanço do seu vôo, o negócio não é abolir o ar. É convencer a pomba a desenvolver novos e mais eficientes métodos de voar.