Quando a presidente impeachmada Dilma Rousseff venceu as eleições gerais de 2014 com 51,64% dos votos tendo ficado à frente de seu adversário, Aécio Neves, por 3,28% dos votos o Brasil se viu dividido.
À época já era notório que os brasileiros começavam a viver um período de esgarçamento do tecido social, em que amigos e familiares se dividiam sobre o futuro do País. Havia aqueles que queriam colocar a política de lado e continuar a vida, mas, os derrotados não mais queriam saber de trégua. Nasciam no Brasil dois polos distintos: a esquerda progressista – capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores e a Direita Conservadora – àquela época ainda incipiente, um tanto quanto amorfa, ainda sem um líder capaz de aglutinar os anseios de metade da população Brasileira.
Nos dois primeiros anos de seu segundo governo, Dilma Rousseff enfrentou uma oposição nunca antes vista no governo do PT. Se a chamada “Jornada de Junho de 2013” teve dificuldades de definir uma agenda centralizada de reivindicações claras, as manifestações de 2015 – que levou milhares às ruas – era bem específica: tirar o PT do cargo máximo do poder.
E foi assim, de manifestação em manifestação, de prisões e prisões feitas pela Operação Lava-Jato, da incapacidade de dialogar com o congresso e com a Economia Brasileira entrando em colapso, que Dilma Rousseff foi tirada do cargo por um processo de impeachment que confirmou crimes de responsabilidade da presidente em relação a movimentações financeiras.
Em pouco mais de dois anos o País se dividia novamente, agora amigos e familiares discutiam por outro motivo: o processo que retirou Dilma de seu mandato, era justo? Era legal? Foi golpe? Enquanto o Brasil se colocava novamente à deriva de uma dicotomia, submergia a figura de Jair Messias Bolsonaro, deputado federal há mais de 20 anos, autointitulado do “baixo clero”, Bolsonaro percorria o país reunindo milhares de pessoas com um discurso opositor ao petismo, de endurecimento penal, e de fim ao politicamente correto. O deputado se tornou a maior esperança contra a hegemonia petista, desgastada por 14 anos de escândalos, corrupções, mandonismo e patrulhamento ideológico.
2018: tudo diferente agora
Se havia ganhado uma eleição apertada em 2014, o Partido dos Trabalhadores chegou à disputa em 2018 em franca decadência. O resultado era de uma presidente afastada, ex-companheiros delatando seus crimes em grande escala e seu maior líder condenado e preso.
Lula foi preso em abril de 2018 acusado de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio em um imbróglio envolvendo um tríplex no Guarujá. Não conseguiu, apesar de muitos esforços, disputar as eleições e coroou Fernando Haddad, seu ex-ministro da educação, como sucessor.
Jair Bolsonaro fazia uma campanha simples, com poucos recursos, e muita empolgação quando foi vítima de um atentado que quase custou sua vida. Se recuperando de sua convalescência em casa, fez da internet seu maior meio de comunicação, criou uma relação quase que pessoal com seus eleitores, falava sobre os problemas do país em uma linguagem simples, se mostrava compadecido com as vítimas de violência e intolerante com a marginalidade. Falou sobre proteger as crianças, prender bandidos, passar o governo PT a limpo abrindo as contas do BNDES. Prometeu criar empregos e desenvolver o Nordeste. Agradou o mercado e o empresariado quando apresentou seu conselheiro econômico e futuro ministro da Economia: o ultraliberal Paulo Guedes. Com 55,13% dos votos se elegeu presidente. A Direita agora tinha forma, representante e chegara ao poder.
Um país que não conversa
Fernando Dias Pereira tem 36 anos, é empresário e se considera uma pessoa de Direita, Para ele ser de Direita “é valorizar o indivíduo e as liberdades individuais” já a Esquerda seria “um coletivismo voltado para o Estado”, de acordo com o empresário o Brasil de hoje seria “um país de esquerda, totalmente estatizante” e continua: “No Brasil de hoje você é ensinado a depender do Estado o tempo inteiro, se existe um problema, o Estado que tem de resolver”.
“Eu, como uma pessoa da Direita Liberal, acho que os indivíduos devam resolver os problemas da sociedade; o Estado deveria se ater ao básico: como infraestrutura básica, coleta de água e esgoto, vias públicas, com o mínimo de burocracia possível, ou seja: quanto menos o Estado empacar a atividade empresarial, melhor”.
Para Fernando a eleição de Jair Bolsonaro foi algo “Excepcional”. “Eu vejo que o povo no seu aspecto mais simples e conservador passou a ter voz porque durante muito tempo a elite que se diz intelectual podava o povo “”Você é inculto, você é incapaz de resolver seus problemas você precisa de um Estado-babá para cuidar de você””.
De acordo com o empresário a população era tratada como “inculta, grosseira e vulgar” era “desprezada por suas origens conservadoras. As duas vertentes políticas PT e PSDB foram incapazes de compreender os anseios dessa parcela da população”. Portanto, “o Fenômeno Bolsonaro surgiu porque ele mostrou que o povo tinha voz, que ele existia e que, por ele, era levado a sério.”
As perspectivas com o novo governo são as melhores: “eu comecei a ter muita expectativa com o novo governo quando eu vi que ele começou a colocar as coisas que dizia em prática. Ele nem tomou posse ainda e está indo por um lado que eu considero correto que é a diminuição da burocracia, controle de gasto público, porque com isso você atrai investimentos e cuida de um dos nossos maiores problemas que é a geração de empregos.”
“O meu otimismo com esse novo governo é fundado nessa nova visão de Economia em que há incentivos para que o empresário invista e produza”. Sobre a visão pessimista que muitos têm sobre o novo governo Fernando é enfático: “em relação ao que as pessoas vêm dizendo sobre perdas de direitos, isso não passa de uma visão infantil e atrasada” e prossegue: “você vai lá e coloca no papel. ‘ Agora você tem direito a tudo’, como o estado garante tudo para todo mundo se ele não produz nada? Ele toma das pessoas para devolver em forma de direitos, como se você só pudesse ter uma vida digna e feliz se o Estado garantisse. Não, o Estado não garante nada. O direito que o Estado fala que está te dando não existe, ele quebra as suas pernas e te dá uma muleta”.
“Vou te dar um exemplo claro disso: a Constituição de 1988 foi a Constituição que garantiu tudo, todos esses direitos, o ano de 1989 era o ano em que nós iriamos colher todos esses direitos, esse novo mundo que o Estado iria proporcionar. Mas o ano de 1989 foi o ano da maior crise hiperinflacionária que o país já viu, isso porque os ‘direitos’ que o Estado garantia implicava em “gastos” do Estado, o mesmo, sem arrecadação suficiente , foi forçado a se endividar, que consiste basicamente em imprimir dinheiro, provocando a hiperinflação; esse divórcio entre ‘contas públicas’ e ‘realidade’ é típico da mentalidade esquerdista , é extremamente ruim pra economia popular. Essa é a ilusão do Estado-Babá”.
Com relação às animosidades nas eleições, Fernando também não passou imune: “nessas eleições muitas pessoas com quem eu convivia eu deixei de conviver e não quero mais ter relações, não pretendo mais conversar e não pretendo mais conviver. Eu não invadi o espaço social de ninguém, mas invadiram o meu, me xingaram e provocaram, mas eu fiquei na minha”. “Mas quer saber? Eu não acho isso negativo, acho que dessa forma as coisas ficaram mais claras, coisas que eu não pensava que as pessoas que eu andava pensavam assim. Eu não sou privilegiado, tudo que consegui na minha vida foi esforço do meu trabalho, aí eu tenho que ouvir que eu sou opressor? Que a culpa dos problemas do mundo é minha? Eu não concordo, então se as pessoas pensam assim de mim, então eu claramente sou um inimigo. Não dá mais para conviver. “
Diametralmente oposta está a expectativa da servidora pública Nayara Cristina Carneiro, 30, ela, que se considera uma pessoa de esquerda, vê o espectro político da Direita como aquele “do privilégio, da meritocracia, do cada um por si.” Para ela a vitória de Bolsonaro “representa uma face social de preconceitos que jamais deveríamos aceitar. O seu discurso de ódio às minorias fere os direitos humanos, além de ressaltar os privilégios de classe que levam o país a uma terrível desigualdade social, escondendo cada vez mais os pobres e as demais minorias dos seus direitos sociais.“
Nem com a melhoria da Economia Nayara se vê animada: “Acredito que seja muito difícil o país ter uma melhoria na sua economia. O governo de Bolsonaro já apontou que pretende seguir a linha do governo golpista de Temer, que privilegia uma estrutura perversa de benefícios a grupos de interesse. Não acredito que o país consiga desenvolver a sua economia vendendo as suas estatais ao invés de direcionar suas forças para o desenvolvimento de empresas nacionais. Além disso, o governo de Bolsonaro sinaliza oposição ao maior governo que o Brasil já teve voltado ao desenvolvimento social do país, que teve consequências no que se refere ao desenvolvimento econômico, que foi o governo Lula.”
A servidora afirma que o novo governo lhe traz medo: “Ele [o medo] existe por causa do discurso de ódio proferido e defendido pelo então presidente eleito. Nós sabemos da potencialidade de um discurso. As minorias correm risco no futuro governo porque ele já deixou evidente que elas não terão espaço em seu governo, além de ter evidenciado o seu posicionamento negativo e pejorativo diante das demandas LGBTs, quilombolas e indígenas, por exemplo.”
O mesmo pensamento é defendido pelo advogado Yuri Matheus Costa Alvares, 25, que não se considera nem de esquerda nem de direita, mas sim um liberal. Para ele, que faz parte de uma minoria, “Jair Bolsonaro foi por muito tempo do partido do Maluf, já confessou sonegar impostos, já confessou o recebimento de propina tanto por ele e quanto por seu partido, já teve inúmeras declarações racistas, homofóbicas e machistas. As pessoas só compraram essa briga, pois ele, assim como o Lula, fala a língua do povo, ele é formado em SuperPop (programa televisivo da Rede TV) e aprendeu muito bem como se comunicar e a falar o que o povo quer ouvir.”
Segundo o advogado, o Brasil irá precisar de sorte nos próximos anos: “o cara quer imitar a política dos Estados Unidos no Haiti e seus eleitores, sem qualquer senso de classe, acreditam que dará certo. Ele tem um vice-presidente descontrolado e um economista lunático. Esses quatro anos realmente a sorte vai precisar continuar do nosso lado, pois, se depender dos ‘homens’, continuaremos descendo a ladeira. Sem contar com os inúmeros países que foram contra o Bolsonaro durante as eleições e anunciaram que não irão fazer acordo com fascista.”
As relações sociais e familiares do advogado também foram abaladas nessas eleições: “Eu perdi contato com a maioria das pessoas da minha família e não tenho qualquer interesse de retornar o convívio. O que mais me indignou foi o fato de ninguém discutir política, economia, saúde e segurança pública. A discussão era sempre sobre kit gay, ideologia de gênero, aborto e são coisas que, para mim, já estão bem claras”, mesmo assim, Yuri torce para que esteja errado em relação ao novo governo:” Eu espero estar errado durante todo o processo eleitoral e que o Bolsonaro seja realmente ‘o mito’ que falam, pois, caso eu esteja 1% certo, haverá muito sangue derramado.”
A Direita sai do armário e está cada dia mais animada
A professora Cláudia Helena Gomes, 51, assim com o empresário Fernando Dias, se considera uma conservadora. Sua participação nas eleições foi além do mero voto em Jair Bolsonaro: “Além de militar nos últimos quatro anos nas redes sociais, participei dos movimentos de rua, fui a carreatas, doei meu tempo e meu dinheiro comprando camisetas para família toda (foram 17 camisetas no total). Posso ser chamada de bolsominion, não? Nós, os bolsominions, elegemos um presidente que nos representa, que já mostrou que não irá lotear o estado, que não usará o dinheiro dos pagadores de impostos para alimentar o ‘mecanismo’”.
Para a professora o resultado das eleições foi o melhor possível: “Estou bastante animada com a vitória, mas não me iludo. Uma batalha foi vencida, no entanto, a verdadeira guerra está pela frente. Trata-se da guerra cultural, a guerra para derrubar a hegemonia do pensamento de esquerda nas escolas, nas universidades, até mesmo nas igrejas.”
De acordo com a docente, a economia brasileira irá mudar radicalmente: “O Brasil vai finalmente conhecer o liberalismo econômico. Por estas plagas só o que se deu foi o ‘capitalismo de compadrio’. Um sistema econômico mercantilista, ou patrimonialista, disfarçado por concessão de favores, isenções, subsídios, privilégios, sempre para os amigos do rei.” E continua: “Minha esperança é que o Brasil conheça o verdadeiro capitalismo, ainda que hoje em dia o livre mercado esteja mitigado por leis e regulamentos que, a pretexto de proteger o cidadão, exerce sobre a sociedade excessivo controle. Quanto maior o estado, menor a liberdade do cidadão.”
Sobre o medo que muitos sentem do futuro governo, Cláudia Helena é direta: “O medo vem da ignorância. A esquerda ignora o pensamento conservador. Na verdade, não sabe nem do que se trata. O mais comum é tomarem a expressão ao pé da letra: conservador é aquele que conserva. Ora, se assim fosse, os petistas seriam os conservadores já que pretendiam manter o mesmo grupo no comando do país, por sinal desastroso, como sempre ocorre no socialismo.”
Se alguma minoria corre riscos? “Nenhuma minoria corre perigo, pelo menos não o perigo das fanfics (estórias fantasiosas) nas redes sociais. O perigo é o que todos brasileiros correm, o perigo de ser atingido pela violência, o de estar desempregado, o perigo que alguns servidores públicos já experimentam de ficarem sem o pagamento de salários pela corrupção desenfreada.”
Diferentemente dos outros entrevistados a professora Cláudia Helena não teve problemas de relacionamentos, pois tomou uma precaução: “No ano passado, como medida preventiva, excluí 200 ‘amigos’ no Facebook. Sabia que não iria convencê-los e não queria aborrecê-los nem ser aborrecida. Ficaram apenas os esquerdistas civilizados. Na família não tive problemas com os poucos petistas infiltrados. Sabe como é, hoje em dia, ser de esquerda não é bonito. O petista tem todo um pacote de profissão de fé que ele tem que aderir e poucos têm coragem de exteriorizar: Lula é inocente, Lula foi condenado sem provas, Lula e seu parceiros são perseguidos porque fizeram o pobre andar de avião etc.”
As melhores expectativas
A expectativa dos brasileiros em relação ao próximo governo é positiva para 57% dos entrevistados da primeira pesquisa mensal sobre aprovação do governo e do Congresso divulgada nessa semana, pela XP Investimentos. Para 38% das pessoas, Jair Bolsonaro fará um governo regular (18%) e péssimo (20%). Com relação à montagem da futura equipe, 63% dos entrevistados disseram aprová-la contra 26% que a desaprovam. Dessa forma, 6 em cada 10 brasileiros esperam que Jair Bolsonaro façam um governo ótimo ou bom.
A consultoria, em parceria com o Ipespe, entrevistou 1.000 pessoas por telefone entre os dias 21 e 23 de novembro das cinco Regiões do Brasil. A margem de erro é de 3,2 pontos percentuais.
Ainda é cedo para dizer quais expectativas se tornarão realidade, quais medidas o futuro presidente tomará, se elas irão ou não mudar os rumos do País, se o Brasil que conhecemos será outro daqui quatro anos. Mas, é preciso lembrar que todos vamos conviver até as próximas eleições. É necessário disposição para que alguns vínculos sejam recuperados; outros, nem tanto. Não dá para queimar todas as pontes, a reconstrução do país passa também pelo restabelecimento dos elos familiares e de amizade.