O Brasil tem o sistema tributário mais complexo e mais caro do mundo, conforme aponta estudo divulgado em setembro do ano passado pelo extinto Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), órgão ligado ao também extinto Ministério da Fazenda, hoje Ministério da Economia. Atualmente, a carga tributária no País ultrapassa o percentual de 32% do PIB, segundo dados da Receita Federal. Entre os mais de 60 tributos cobrados no Brasil, nas esferas federal, estadual e municipal, a burocracia tributária consome R$ 150 bilhões das empresas/ano, o equivalente a 1,5% do faturamento.
Para o consultor empresarial e especialista em governança corporativa, simplificar os sistema tributário brasileiro e torná-lo o mais justo possível são os dois principais desafios da Reforma Tributária que está sendo debatida atualmente no Congresso Nacional. “A burocracia do sistema tributário é algo que realmente demanda muito tempo e dinheiro das empresas, que precisam muitas vezes disponibilizar ou contratar uma estrutura onerosa só para acompanhar o cumprimento de suas obrigações tributárias. Ou seja, além do próprio custo do imposto, que não é baixo, tem-se um custo operacional elevado para controle, e sem falar no custo jurídico que é também alto, já que esta complexidade do sistema e constantes mudanças de legislação geram uma enormidade de questionamento na justiça’, lembra o especialista.
Marcelo Camorim pontua que a primeira etapa da proposta de Reforma Tributária encaminhada recentemente pelo governo federal de certa maneira ataca essa questão da elevada burocracia no sistema, pelo menos dentro do âmbito federal, ao criar a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), um imposto do tipo “valor agregado” (IVA), que substituiria o PIS e Cofins, hoje os principais impostos cobrados pela União.
De acordo com projeto de lei encaminhado pelo governo, e que deve ser depois atrelado à uma das duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que tratam da Reforma Tributária, a CBS será não cumulativa e incidirá sobre a receita bruta e não mais sobre todas as receitas. As receitas não operacionais não entrarão na base de cálculo; e o cálculo desse tributo único a ser criado deverá ser por fora, diferente de como hoje é calculado o PIS e Cofins, com tributação de tributos sobre tributo, o que mascara a carga tributária, aumentando o valor a ser pago. Outra desburocratização bem vinda, segundo Marcelo Camorim, é a adoção de uma alíquota uniforme de 12%.
Injustiças tributárias
Mas Marcelo Camorim, pondera que a proposta apresentada pelo governo, embora reduza a complexidade de nosso sistema tributário, ainda não corrige o que ele chama de injustiças tributárias. Conforme o especialista, essas injustiças ocorrem basicamente em três ocasiões: primeiro, quando se taxa o consumo, pois neste modelo os mais pobres acabam pagando proporcionalmente mais; na distribuição de recursos entre os entes federativos, o governo federal ainda segue com a maior fatia da arrecadação de impostos; e a má gestão do que é arrecadado com os impostos, com a população reclamando, com razão, de pagar muitos impostos, mas ver pouco ou nenhum retorno disso em serviços públicos de qualidade.
“Diferente do que muitos costumam dizer, não temos a maior carga tributária do mundo, mas certamente temos sim uma das piores distribuição e gestão desses recursos públicos”, critica Camorim. O consultor empresarial afirma que podem ser encontrados no mundo, tanto países com carga tributária bem maior ou bem menor que a Brasil, que têm um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) bem mais elevado que o nosso.
“Em 2017, um estudo da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] apontava que França e Dinamarca tinham, respectivamente, uma carga tributária de 46,2% e 46% de seus PIBs, bem acima dos 30% que o Brasil registrava naquele ano. Já Japão e Suíça registravam, respectivamente, 28,5% e 27,1%. Todos estes países que citei estão entre os 25 maiores IDHs do mundo, enquanto o Brasil está na posição de 79º. Ou seja, a má gestão de sistema tributário já complexo é o grande problema”, avalia Marcelo Camorim.
A alegação do especialista tem consonância com que aponta uma pesquisa feita em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) – com os 30 países de maior carga tributária no mundo: o Brasil tem o menor Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes). Desde que esse estudo começou a ser feito, há oito anos, o Brasil está na 30ª colocação, atrás de países como Uruguai (18º) e Argentina (19º). O Brasil é o país que menos transforma tributos em benefícios.
Taxação do consumo
Para o consultor empresarial e especialista em governança corporativa o modelo de taxação do consumo sobrecarga especialmente os pequenos “Ao tributar o consumo o peso do imposto atinge igualmente ricos e pobres, sem levar em conta a capacidade de receita de cada um”, afirma o especialista. Atualmente, quase 50% da arrecadação do país vem dos impostos sobre consumo. Na OCDE, que reúne as maiores economias do mundo, a média de arrecadação com consumo é bem mais baixa, de 38%.
Conforme cálculos do Sindicato dos Auditores da Receita Federal do Brasil, ao se criar um imposto federal substituindo Pis e Cofins, com uma alíquota única de 12% e juntando os impostos estaduais e municipais, o Imposto sobre Valor Agregado final chegaria a 35% o que seria o maior patamar de IVA do mundo, se compararmos com dados de 2018 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A entidade internacional que reúne mais de 35 grandes economias do mundo revela que a maior alíquota hoje para IVA é de 27%, cobrada pela Hungria. Noruega, Dinamarca e Suécia têm alíquotas de 25%.
Imposto de Renda
Uma das promessas para a Reforma Tributária, anunciadas pelo ministro Paulo Guedes, e que segundo o consultor Marcelo Camorim ajudaria a corrigir um pouco dessas injustiças tributárias, é a aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para Pessoa Física (IRPF).
Mas ele avalia que seja difícil o governo federal abrir mão dessa receita dada com o Imposto de Renda, que além de grande, é de fácil cobrança, já que se dá de forma compulsória na fonte da receita das pessoas. “Essa é uma promessa de anos e de vários governos. Acho que difícil o governo atual abrir mão de parte desta receita, especialmente agora neste momento de crise causada pela pandemia, em que a União tem registrado grandes rombos em sua arrecadação”, destaca o consultor empresarial.