“As feridas abertas no episódio me dão força para continuar firme nesta missão”, disse o vice-governador José Eliton ao anunciar em entrevistas ao Fantástico, da Rede Globo, ao Balanço Geral, da TV Record e ao Jornal do Meio Dia, da TV Serra Dourada, que, tão logo se recupere da cirurgia a que foi submetido em função do atentado de Itumbiara, vai percorrer o país para levantar a discussão a respeito de nova política para a segurança pública nacional. “Hoje nós temos um cenário brasileiro que assusta todos aqueles que vivem em grandes conglomerados urbanos”, afirma.
De acordo com o vice-governador, o Brasil precisa rever sua legislação penal que remonta à década de 1940 do século passado. “Deus me deu uma nova oportunidade para eu continuar nessa jornada”, diz. Ele também questiona o comportamento dos agentes públicos. “O que nos deixa perplexo é observar um sistema político deteriorado no país”, destaca ao lamentar a violência nas campanhas eleitorais deste ano. “Os candidatos precisam apresentar ideias e propostas. É urgente mudar a política”, alerta.
“Não é possível mais o Brasil viver com uma prática política tão arcaica, tão voltada para o século passado onde as pessoas têm que escolher o menos ruim”, afirma. “A atividade pública se pauta hoje em dia por apontar o dedo, não se guia por ideias, por programas e propostas”, diz.
O vice-governador ressalta que foi criado ao longo dos últimos anos um emaranhado de alternativas penais. “Criaram a tornozeleira eletrônica, o regime de progressão de pena, a audiência de custódia e uma série de outros elementos só para não levar os autores de delitos para o presidio. Ora, isso é um estimulo à criminalidade”, diz.
O vice-governador aponta que irá “ampliar o debate sobre a segurança pública”, de modo que o Brasil possa “efetivamente enxergar este problema e as reais condições que geram a violência”. Segundo ele, “temos que discutir este tema sem paixões, mas com a razão”.
“Hoje a gente vê as policias em ação, atuando e prendendo. Mas os bandidos não cumprem penas de maneira integral. O Brasil nunca investiu no sistema penitenciário pela leniência da legislação penal e processual penal brasileira”, destaca. José Eliton afirma que continuará à frente da Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária. “Estou 100% focado neste setor”, diz.
“Deus me deu uma nova oportunidade para continuar nessa jornada”
Confira os principais trechos da entrevista do vice-governador José Eliton, oportunidade em que relata detalhes do atentado de que foi vítima em Itumbiara e que matou o candidato a prefeito, José Gomes da Rocha (PTB), e o cabo da PM, Vanilson João Pereira, além de ter ferido o advogado Célio Rezende. O autor dos disparos, Gilberto Ferreira do Amaral, de 53 anos, morreu no tiroteio. Eliton aborda o momento em que percebeu o tiro no corpo, a importância da ação imediata dos policiais que evitaram uma tragédia ainda maior, as reflexões e iniciativas após os dramáticos acontecimentos de 28 de setembro. Veja a seguir.
“Não senti nada do tiro na hora, mas percebi que estava sangrando muito”
Me lembro de uma carreata extremamente feliz e alegre. Eu brincava com Zé Gomes e falava: isso aqui não é carreata de campanha. Isso aqui é carreata de celebração, de vitória, tamanha alegria das pessoas nas ruas. Eram crianças com cartazes de coraçõezinhos. As pessoas cumprimentando e pulando na frente do carro. E, depois, quando aconteceu, foi um tumulto e aí eu realmente não vi. Só percebi que tinha alguma coisa diferente quando caí, olhei para o lado e vi que tinha um policial com uma arma em punho. Não senti nada do tiro na hora, mas percebi que estava sangrando muito e aí veio uma preocupação muito grande com as consequências, até por que eu estava consciente. Cheguei ao hospital consciente e só depois fui sedado.
“A perna doía muito e aí eu temia um quadro de hemorragia”
Tinha tanto foguete na carreata que não sabia se era foguete ou tiros. Naturalmente, só depois do impacto é que tive a noção de que era um atentado, alguma coisa diferente. Que não se tratava de um acidente ou de alguma coisa dessa natureza. No momento em que cai e passei a mão, notei que estava todo ensanguentado. Passei a mão atrás também e vi que tinha sangue e aí eu percebi que a situação era mais grave. Daí, fui colocado em uma caminhonete e minha perna doía muito. O ferimento da bala, eu não me recordo de ter sentido. Mas a perna doía muito e aí eu temia um quadro de hemorragia, na situação em que estava ali. Eu não tinha nem noção de como estavam as demais pessoas. É a lembrança que tenho do trajeto da rua onde ocorreu o incidente até chegar ao hospital. Cheguei ao hospital e começou aquela confusão. Foram chegando médicos e me recordo que um me olhou, apalpou e disse “pode descer para sala de cirurgia agora”. Fui para lá e fui sedado e não me recordo mais. Só me recordo acordado aqui no Hugol, em Goiânia.
“Me submeti a uma cirurgia que abriu do umbigo até embaixo para verificar se tinha atingido algum órgão”
Os médicos pediram para eu guardar repouso. Me submeti a uma cirurgia que abriu do umbigo até embaixo para verificar se tinha atingido algum órgão ou o intestino. Para verificar se tinha que fazer alguma sutura para interromper a hemorragia. Eu tive muita sorte. Se pega um pouquinho para direita, esquerda, teria atingido um órgão vital e aí dificilmente eu estaria aqui neste momento. Então os médicos lá de Itumbiara, dentro das circunstancias do evento, fizeram um trabalho excepcional. Depois, aqui fui muito bem atendido, já era um trabalho de recuperação e de reestabelecimento. Primeiro na UTI, depois no apartamento. As recomendações são as próprias de pós-operatório. Uma preocupação muito mais com sistema de eventual infecção em função da própria operação que tiveram que mexer na parte interna toda do abdômen para verificar se não havia atingido qualquer órgão. A orientação nesses primeiros dias é de um repouso para deixar cicatrizar bem essa área. Antes de descer para sala de cirurgia, eu vi que tinha mais pessoas, inclusive que estavam fazendo massagem cardíaca em uma delas. Mas não sabia quem eram as pessoas que estavam na mesma situação naquele momento. Me lembro de entender que o Zé Gomes estava ali, por que os médicos falaram: olha o Zé Gomes já chegou aqui numa situação muito delicada. E aí percebi que ele também havia sido atingido, tudo isso pouco antes de ir para sala de cirurgia.
“Há uma linha de investigação que visa apurar quais são as causas e motivações desse crime”
A motivação do atirador é muito difícil de estabelecer nesse momento. A investigação está sendo feita justamente para esclarecer todos os fatos. Já foi afastado essa hipótese de uma eventual desavença que teria ocorrido no período da manhã. Mesmo porque as câmeras de segurança do próprio prédio onde residia o Zé Gomes demonstra que ele não saiu do período das 2 horas da manhã até o momento em que encontrou comigo, na porta da casa dele e de lá já saímos para carreata. Ou seja, essa hipótese foi afastada. E há uma linha de investigação que visa apurar quais são as causas e motivações desse crime.
“O que nos deixa perplexo é observar um sistema político tão deteriorado no país”
Acho que a prática política no país precisa melhorar e mudar. Os líderes precisam deixar de fazer a política do quanto pior, melhor. Eles não aprenderam ou não têm o entendimento de fazer uma campanha eleitoral propositiva, que apresente ideias e propostas com a divergência natural do processo democrático. Cada um entende que há um caminho a ser trilhado. Agora, na política brasileira virou os bons contra os ruins, os “petralhas” contra os “coxinhas”. São situações as mais inusitadas do mundo. As pessoas estão alimentando ódio. Você observa lideres fazendo o discurso do enfrentamento. Isso, aliado a uma crise econômica sem precedentes, uma crise política que coloca em xeque toda classe política, você cria ambiente que gera fatos dessa natureza. O que é extremamente complicado. Acho que a pratica política no Brasil precisa evoluir. Não é possível mais o Brasil viver com uma prática tão arcaica, tão voltada para o século passado onde as pessoas têm que escolher o menos ruim. A política se pauta hoje em dia por apontar o dedo, não se pauta por ideias, por programas e propostas. O que nos deixa perplexo é observar um sistema político tão deteriorado no país.
“Foi retirado da disputa de maneira violenta
um candidato que era amplamente favorito”
Acho que o ambiente da política no Brasil está deteriorado. Isso se demonstra com muita clareza pelos números de atentados de ocorrências dessa natureza ou ocorrido neste período. Ele é político na medida em que você tem o impacto no processo eleitoral local. Foi retirado da disputa de maneira violenta um candidato que era amplamente favorito. A polícia irá desvendar isso. O que destaco é que o ambiente político no Brasil precisa ser melhorado. Precisa rediscutir a prática política no Brasil. Vi um levantamento recentemente em que mais de 20 candidatos tiveram algum tipo de ataque, de enfrentamento só neste período dessa eleição. É algo inadmissível num país onde se preza o estado democrático de direito.
“O Zé Gomes nunca manifestou preocupação com violência, mesmo porque era muito querido na cidade”
O Zé Gomes nunca teve esse tipo de preocupação com violência política. Tanto que estávamos em cima da caminhonete e todos extremamente expostos. É outra preocupação que temos que ter em política: o nível de exposição que você tem não é uma situação muito tranquila. O Zé nunca manifestou qualquer tipo de preocupação. Mesmo porque ele era muito querido na cidade. Os números de intenção do Ibope demonstram isso com muita clareza. Essa nunca foi uma preocupação, pelo menos para mim ele nunca externou.
“Se os policiais não tivessem conseguido abater aquele homem insano, a tragédia seria muito maior”
O atirador demonstrou interesse em atingir muitas pessoas. Ele tinha consciência que tinha um carro cheio de pessoas em cima. Ele disparou vários tiros. Foram 13 ou 14 tiros disparados na direção do caminhão e das pessoas. Infelizmente atingiram de maneira fatal tanto o Zé Gomes, como cabo Vanilson. O que demonstra, inclusive, a necessidade de investigar de maneira muito profunda essa questão. A atuação dos demais policiais foi fundamental. Primeiro porque eles foram para o enfrentamento, inclusive, colocando a sua vida na proteção dos demais que estavam ali. Se os policiais não tivessem conseguido abater aquele homem insano, teria tido uma tragédia muito maior naquele episódio.
“Temos, em Goiás, o maior índice de resolutividade de crimes do país”
Tenho uma forte sensação de que, nas próximas semanas, a polícia deve elucidar de maneira completa esse caso. Temos, em Goiás, o maior índice de resolutividade de crimes do país. A GIH chega próxima de 85% de resolutividade dos crimes. Esse é o crime que já foi constituído uma força tarefa, já há elementos muito fortes de convicção e de linhas de investigação da polícia.
“Nunca tinha pensado, nem de longe, em passar por uma situação como essa”
Claro que tenho minha exposição, seja na condição de vice-governador, mas muito mais na condição de secretário de Segurança Pública. Mesmo porque você está constantemente indo para o enfrentamento da criminalidade, você tem ações que são muito incisivas. E nós tomamos muitas ações que foram incisivas ao longo desses últimos meses no combate ao crime organizado, estruturando novas ferramentas de tecnologia de investigação para crimes, prendendo quadrilhas de diversos setores de crimes em Goiás. Isso coloca todo o aparato de segurança em alerta para as questões da criminalidade. Nunca imaginei ter em uma situação como aquela, um episódio daquela natureza. Nunca tinha pensado, nem de longe, em passar por uma situação como essa.
“O episódio deixa marca profunda na alma, mas nos dá motivação para seguir em frente e não esmorecer”
É preciso continuar e ir para o enfrentamento, discutir grandes temas da sociedade, apresentar ideias, tentar contribuir de alguma forma para melhorar. Estamos enxergando no Brasil hoje, no Maranhão com a queima de ônibus, em outros estados a força nacional sendo chamada, lá em Itumbiara também, você percebe que é um ambiente muito delicado do ponto de vista social brasileiro, onde você precisa ter lideres com capacidade de apresentar soluções. Deus me deu, sem dúvida nenhuma, uma nova oportunidade para eu continuar nessa jornada. Para cumprir as missões que eventualmente eu tenho. O episódio deixa uma marca profunda na alma, mas nos dá motivação para seguir em frente e não esmorecer.
“Segurança pública nunca foi uma agenda nacional e não temos sequer um ministério para tratar dessa questão”
A segurança pública nunca foi uma agenda nacional e nós não temos sequer um ministério para tratar dessa questão, já tivemos até ministério da pesca, mas não temos ministério de segurança pública, temos uma secretaria Nacional vinculado ao Ministério da Justiça e com orçamento ínfimo, começamos a observar que segurança não é prioridade da nação brasileira. O Brasil precisa rever sua legislação. A legislação penal e processual penal brasileira remonta década de 1940 do século passado. Hoje nós temos um cenário brasileiro que assusta todos aqueles que vivem em grandes conglomerados urbanos. De norte a sul do país, de leste a oeste, simplesmente você vê as policias agindo, atuando e prendendo. Mas os bandidos ficam presos por pouco tempo. O sistema penitenciário é caótico no Brasil. O país nunca investiu no sistema penitenciário, seja pela leniência da legislação penal e processual penal brasileira. Nós estamos criando ao longo dos últimos anos um emaranhado de alternativas penais. Criaram a tornozeleira eletrônica, o regime de progressão de pena, a audiência de custódia e uma série de outros elementos só para não ter que levar os que cometem delitos para o presidio. Ora, isso é um estimulo à criminalidade.
“Bandido comete crime por ato de vontade e, como tal, ele tem que ser preso e punido”
Enquanto os EUA têm a população carcerária na ordem de 2,5 milhões de pessoas, no Brasil você tem 600 mil em regime fechado cumprindo pena. Algo que nós precisamos rever é que o bandido comete crime por ato de vontade e, como tal, tem que ser preso e punido. O sujeito comete um crime, assassina alguém, vai para o tribunal do júri e consegue cumprir quatro ou cinco anos, é condenado a 12, e já vai para as ruas. Ele precisa cumprir uma parte da pena com a lei estabelece o que é algo surreal o que acontece no Brasil. Acho que o país precisa começar a repensar, se quisermos ter um país estável no ponto de vista de segurança pública.
“Eu pensava nos meus filhos e na minha esposa. E agora, como que vai ser?”
Uma das coisas que mais pensava durante o trajeto do atentado até o hospital, era justamente a minha família. Eu pensava nos meus filhos e na minha esposa. E agora, como vai ser? Felizmente o apoio e as orações são sempre muito importantes. Está todo mundo aqui.