Sociedade

“A ameaça do conformismo”: direito de resposta do “professor da UFG”

O jornal  Hora Extra sempre se pautou pela pluralidade de idéias e visões de mundo e se alguém se sentiu ofendido ao que foi publicado em nossos veículos nunca nos escusamos de conceder o direito de resposta garantido em nossa Constituição, por isso, segue o Direito de Resposta cedido ao professor Adriano Correia da Universidade Federal de Goiás.

“A ameaça do conformismo”: direito de resposta do “professor da UFG”

Este texto é o exercício do direito de resposta ao texto “Professor da UFG faz ameaças em rede social”, de autoria de Marina Remy, publicada no “Jornal Hora Extra” tanto em sua página própria na internet (tendo permanecido na capa do mesmo durante uma semana) quanto em sua página na rede social Facebook, além de ter sido compartilhada inúmeras vezes nesta mesma rede social e engendrado uma série de ameaças de violência ao autor deste texto em decorrência da referida matéria, devidamente documentadas. O direito de resposta foi concedido prontamente pelo “Jornal Hora Extra” após Notificação Extrajudicial expedida pelo autor deste texto, por meio de seu advogado devidamente constituído. Na notificação foram feitas três solicitações: a informação sobre a autoria do texto; a retirada do texto dos locais em que foi publicado; a concessão de direito de resposta.

O “Jornal Hora Extra” atendeu à primeira e à terceira solicitações e sustentou que o atendimento à segunda violaria a liberdade de imprensa e não poderia ser atendida. Não é nosso propósito aprofundar qualquer discussão nesse sentido, uma vez que este tema será julgado no foro adequado, mas não deixaremos de notar que a liberdade de imprensa não implica em concessão de direito à calúnia e à difamação. Julgamos que a liberdade de imprensa é ameaçada pelo monopólio na propriedade dos meios, pela instrumentalização do jornalismo para fins estritamente econômicos ou políticos, pela parcialidade dos veículos que se põem a serviço de líderes e grupos políticos e dissolvem o jornalismo em relações públicas, pela morte da imparcialidade e do contraditório etc. “A imparcialidade veio ao mundo com Homero”, quando este cantou a glória dos vencedores e dos vencidos, e já sofreu várias mortes, sendo o “jornalismo padrão Veja” aquela morte cujos maus odores têm nos atingido mais próxima e frequentemente.

No início da noite do dia 29 de agosto passado, data do julgamento do impedimento de Dilma Roussef, publiquei uma mensagem agressiva em minha página pessoal em que exortava os partidários do impedimento ainda vinculados a mim na rede social que se desvinculassem e falava até de agressão física e danos materiais a um personagem etéreo que chamei de “fascista light”. Não faltam motivos para se opor ao governo da presidente golpeada, principalmente sua timidez nas transformações sociais, e tenho muitos amigos que defendem com dignidade as mais variadas posições, do liberalismo ao anarquismo, mas não penso que quem se permitiu estar até aquele ponto ao lado dos personagens bizarros e corruptos que decidiram pelo impedimento da presidente da república tenha conservado intacta sua dignidade pessoal.

Arrependi-me da mensagem, mais pela menção a agressão e danos que pelo restante, e a apaguei na manhã seguinte. Os meus amigos na rede social, que me conhecem e nunca viram manifestação nesse sentido antes, riram da minha bravata, mas a autora da reportagem, sem me consultar ou mesmo tentar, decidiu que isto era razão mais que suficiente para me desqualificar como professor e expor negativamente, a seus afins, a universidade na qual atuo há exatos dez anos e um mês, sem qualquer problema disciplinar, seja como professor e pesquisador, seja como gestor, na direção da faculdade em que atuo ou na coordenação do nosso programa de pós-graduação (mestrado e doutorado).

A autora da reportagem revela inteiro desconhecimento da natureza da atividade docente, na medida em que afirma, dentre outras coisas, que “o professor é régua de conduta para seus alunos”. Além de subestimara inteligência e a independência dos nossos alunos, supõe uma conexão inteiramente espúriaentre a atividade profissional do professor e sua vida não profissional (política, privada, íntima), como quando, ainda no século passado, as professoras das séries iniciais do ensino fundamental eram obrigadas a assinar contratos nos quais tinham sua vida privada inteiramente regulada, com horário de reclusão,padrão de vestuário, proibição de namoro e bebidas e coisas do gênero. Além de termos uma variedade notável de professores, posições políticas e estilos de atuação na universidade (e é também por isto que é universidade), buscamos fomentar nos alunos justamente o desenvolvimento da autonomia, que envolve o rechaço arelações que impliquem em buscar ou aceitar tutores ou regentes morais, religiosos ou políticos. A esse respeito, e para não agastá-los mais com esse nível rarefeito de compreensão, vale mencionar uma excelente divisa de Nietzsche: “moro em minha própria casa, nada imitei de ninguém, e ainda ri de todo mestre que não riu de si também”.

É inteiramente difamatória e caluniosa a pretensão de me desqualificar como professor por qualquer afirmação em meu próprio nome em minha página pessoal na rede social, independentemente de eu estar ou não disposto a reiterá-la, ou em qualquer esfera não profissional da minha vida pessoal, assim como é inteiramente indevido buscar exercer pressão sobre a universidade no sentido de (pasmem!) aplicar sanções a mim pelo que afirmo em minha vida privada. Imagino que os gestores da universidade não conheçamesse veículo de mídia no qual agora escrevo, como eu também não conhecia, nem estão dispostos a exercer assédio moral, mas estou certo de que não são estas as razões de não terem sequer me contactado para tratar desse tópico apenas ridículo: a UFG é uma instituição séria, inclusiva e plural que não se deixanem se deixará subjugar pela tacanhez – nem cultural, nem educacional, nem moral, nem política.
Nesses tempos sombrios, em que as pessoas que não se importam com a obscuridade de suas vidas tacanhassaíram de suas catacumbas para manifestar publicamente seu incômodo com a diversidade radiante das formas de vida dos demais, a universidade e sua pluralidade despontam como um oásis no deserto, e talvez por isto incomode tanto os que parecem gostar de um mundo simples, que não desafie o pensamento e não coloque em questão certezas irrefletidas. No ambiente da universidade é apenas surpreendente que vivamos em uma época na qual abundam pessoas que militem pelo apequenamento do mundo, mediante a restrição da pluralidade das formas de vida e das opiniões, para que nele se sinta à vontade o herói da sociedade dos mercadores, como nomeara Nietzsche, o de menor estatura dentre os tipos humanos jamais concebidos, para quem tudo que não é útil não tem razão de ser. A estes indivíduos Aristóteles julgava que não devia ser concedida a cidadania, não apenas por sua confusão entre meios e fins, mas também por cultivarem uma forma de vida na qual não há lugar para a excelência e a virtude.

Esta forma de vida, que não têm pudor por não deixar rastro e ser esquecida na terceira geração de sua descendência, se espraia como um fungo sobre a superfície e está na moda… Um mundo administrado, regrado, no qual não sejam desafiados a figurar sua própria futilidade, é sua imagem do paraíso. Ordem, aí, é progresso, e tudo que distraia para o amor, para lembrar o lema completo de Augusto Comte, tem de ser combatido e suprimido.
Extraí a referência a Homero de um texto de Hannah Arendt sobre o conceito de história, e o título deste texto éo mesmo de um artigo dela (escrito na época do macarthismo, nos EUA)no qual observa que “o perigo do conformismo e sua ameaça à liberdade é inerente a todas as sociedades de massa”. Isso valeria bons dedos de prosa, mas quero concluir com um fragmento de outra obra desta pensadora, a quem a autora da matéria que me desqualifica como professor me imaginou espancando nos corredores da universidade… Este fragmento diz com mais sutileza e precisão o que acabei por sustentar de forma grosseira em minha publicação na rede social.

Arendt menciona uma parábola de Mestre Eckhart, o notável místico e teólogo alemão, na qual ele narra que, sendo um mendigo revelado como o homem mais feliz do mundo, se lhe é perguntado sobre se ele ainda seria feliz no inferno, e ele responde que preferia estar no inferno com Deus que no céu sem ele. Disto, e da afirmação de Cícero de que preferia errar com Platão que acertar com seus detratores, Arendt retira uma conclusão um tanto surpreendente: “tentei mostrar que nossas decisões sobre o certo e o errado dependerão de nossa escolha de companhia, daqueles com quem desejamos passar nossas vidas. Esta companhia é escolhida ao pensarmos em exemplos de pessoas, mortas ou vivas, reais ou fictícias, e em exemplos de incidentes passados ou presentes. No caso improvável de que alguém chegasse até nós e nos dissesse que preferia o Barba Azul como companhia e que, portanto, o tomaria como seu exemplo, a única coisa que poderíamos fazer é nos assegurarmos de que nunca se aproximasse de nós”. É isto, exatamente isto.

Adriano Correia

Relembre o caso

No último dia 29 de agosto,  o professor Adriano Correia da Universidade Federal de Goiás ameaçou indistintamente a quem chamou de “fascista light” nos seguintes termos: “tema pelo seu carro, pela fachada da sua casa, e me exclua antes que eu dê um soco na sua cara.” No caso “fascista light” seria uma denominaçâo para todos aqueles que concordavam com o afastamento definitivo da então presidente Dilma Rousseff. O jornal Hora Extra tem a ciência que cumpriu com seu dever de mostrar à sociedade fatos relevantes da vida cotidiana dos goianienses.  Se deparar com um educador incitando a violência e fazendo graves ameaças ao patrimônio privado e à integridade física por não concordar com sua opinião política, com certeza é do interesse da população que paga seus impostos em dia e sustenta seu estado e servidores.

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