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Após atuação do MPF, Polícia Rodoviária Federal anuncia curso complementar sobre direitos humanos para agentes da corporação

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) anunciou, em 16 de outubro, a realização de curso complementar de Direitos Humanos para os agentes que ingressaram na corporação em 2022. Em maio do ano passado, a PRF havia retirado a disciplina do curso de formação para novos agentes, além de extinguir as comissões nacionais e regionais sobre direitos humanos da instituição. 

A medida ocorre após decisão liminar da Justiça em ação do Ministério Público Federal (MPF) que pede a reintegração da disciplina sobre direitos humanos aos cursos de formação e atualização de policiais rodoviários federais, além do restabelecimento das comissões. Para o MPF, a disciplina sobre direitos humanos é fundamental para incutir nos policiais rodoviários federais competências mínimas para o exercício qualificado de sua missão social, voltada à defesa, à segurança e à promoção dos direitos do cidadão no estado democrático de Direito.

Na ação, o órgão defendeu que a formação em direitos humanos não se restringe a concepções filosóficas sobre direitos ou deveres, sendo norteada pela vivência diária dos profissionais. São reflexões que permitem ao policial desenvolver habilidades para intervir nas mais diversas situações, como o reconhecimento e a identificação de violações de direitos humanos que fazem parte do cotidiano de um policial rodoviário: exploração sexual infantil, trabalho escravo, pessoas em situação de rua e pessoas com transtornos mentais, entre outros.

De acordo com a PRF, o curso tem como objetivo aprimorar as competências dos policiais para o cumprimento de suas funções, com base nos princípios de direitos humanos e nos valores institucionais. Os agentes serão formados, especialmente, para enfrentar crimes como exploração sexual contra crianças e adolescentes, trabalho infantil, trabalho escravo, tráfico de pessoas e outros crimes contra grupos vulnerabilizados. Dessa forma, eles poderão atuar no enfrentamento às violações dos direitos humanos com mais profissionalismo, empregando ferramentas pessoais e tecnológicas e os princípios da dignidade humana, igualdade, não discriminação e liberdade, visando o respeito à integridade física e moral das pessoas.

Curso de formação profissional – No Brasil, o ingresso nas carreiras policiais é feito por meio de concurso público com múltiplas fases. O Curso de Formação Profissional consolida a segunda etapa da seleção, com o cumprimento de exercícios que simulam as dinâmicas de trabalho dos candidatos a policiais rodoviários, como prática de tiro, defesa pessoal, atendimento a acidentes nas rodovias, protocolos de abordagens policiais, entre outros.

Historicamente, a PRF sempre ofereceu a disciplina Direitos Humanos e Cidadania, sobre temas como diversidade, empatia, comunicação não violenta, abordagem e atendimento a grupos em situação de vulnerabilidade, alcoolismo, acolhimento da vítima e combate ao trabalho escravo. Mas a disciplina teve grade horária reduzida de forma gradativa até se extinguir completamente em 2022. A alegação da PRF era de que os conteúdos eram ministrados em outras disciplinas do curso de formação. Mas, para o MPF, a abordagem em outras matérias não exclui a necessidade do ensino de forma direta e autônoma.

Comissões de Direitos Humanos – O MPF também pediu na Justiça o restabelecimento das Comissões Nacional e Regional de Direitos Humanos da PRF. As comissões foram extintas em maio de 2022, com a publicação da mesma portaria que excluiu a disciplina do curso de formação profissional. “As comissões nortearam ações positivas e inclusivas e construíram um legado histórico pautado no respeito aos direitos humanos, a exemplo do enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes, combate ao câncer e ao trabalho escravo, beneficiando milhares de pessoas e tornando a PRF conhecida e respeitada como a polícia amiga do cidadão”, defende o MPF. A eficiência da atuação da instituição em defesa dos direitos humanos foi reconhecida em diversos prêmios conquistados entre 2009 e 2019.

A Comissão Nacional (CNDH) surgiu em 2008, com a comemoração de 60 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos. Os relevantes trabalhos ocorriam muitas vezes em parceria com o MPF e o Ministério Público do Trabalho (MPT). Em substituição, segundo o MPF, foi criado um serviço burocrático de direitos humanos, com escopo reduzido e concentrado em Brasília, excluindo a atuação dos estados. Para o órgão, as limitações geográficas e de pessoal, entre outros aspectos, impedem a concretização de uma política efetiva em todo o Brasil.

“Em um país com dimensões continentais, as violações de direitos humanos, como o racismo, a homofobia, o trabalho escravo, a exploração infantil, a violência contra a mulher e os povos indígenas e quilombolas assumem aspectos distintos nas diferentes regiões do país, classes sociais e etnias. Desse modo, uma atuação concentrada e burocratizada em Brasília não seria suficiente para abranger a pluralidade da sociedade brasileira”, sustenta o MPF.

Tratativas extrajudiciais – Antes de levar o caso para a Justiça, o MPF encaminhou recomendações e promoveu reuniões com diretores da PRF. Em resposta, a instituição apresentou apenas a proposta de inserir a disciplina de Direitos Humanos com carga horária de dez horas, na modalidade de ensino à distância (EaD). Além disso, o conteúdo seria abordado de forma transversal em todas as demais disciplinas do curso de formação profissional. Contudo, para o MPF, a carga horária e a modalidade de ensino não são suficientes ao tratamento dessa importante questão e não se encontram em harmonia com a legislação e com o princípio internacional de não retroatividade das normas que tratam da defesa de direitos humanos.

Na época das tratativas com a PRF, em maio de 2022, Genivaldo de Jesus Santos foi morto em decorrência da atuação abusiva e violenta de três policiais rodoviários federais no estado de Sergipe. Imagens divulgadas pela imprensa registram a abordagem policial ao cidadão por estar pilotando moto sem capacete, infração de trânsito punível com multa. Ele foi trancado no porta-malas da viatura e sufocado com spray de pimenta e gás lacrimogêneo. Um dia antes, a atuação de policiais rodoviários também foi criticada na Operação da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro (RJ). A operação conjunta com o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e a Polícia Militar do estado fluminense vitimou 23 pessoas.

Para o MPF, esses casos são exemplos das consequências da desvalorização dos direitos humanos. “Tais fatos não podem ser atribuídos somente a condutas isoladas de um ou outro agente, mas são fruto de uma doutrina estatal que atribui aos policiais a missão de combatentes, quando são, ou deveriam ser, guardiões e protetores da sociedade e do cidadão”, ressalta o MPF na ação judicial.

O órgão enfatiza ainda que fatos como esses podem ser evitados por meio de campanhas de conscientização e de capacitações periódicas de policiais que busquem proteger a dignidade do cidadão e a tutela dos direitos humanos. “Lidar no dia a dia com pessoas, considerando sua ampla diversidade, demanda muito mais que uma construção do conhecimento mecanizada e puramente tecnicista. O estudo de casos equivocados e o enfoque em protocolos humanizados são muito importantes para que o candidato ao cargo de policial tenha uma clareza do universo de possibilidades quando se lida com o ser humano e para evitar que erros pretéritos não se repitam”, reitera o MPF.

Ação Civil Pública nº 1028673-25.2022.4.01.3500

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